domingo, 30 de novembro de 2008

Escrito há alguns anos por um anônimo na Argentina

Eu tinha medo da escuridão
Até que as noites se fizeram longas e sem luz,
Eu não resistia ao frio facilmente
Até passar a noite molhado numa laje,
Eu tinha medo dos mortos
Até ter que dormir num cemitério,
Eu tinha rejeição por quem era de Buenos Aires
Até que me deram abrigo e alimento,
Eu tinha aversão a Judeus
Até darem remédios aos meus filhos,
Eu adorava exibir a minha nova jaqueta
Até dar ela a um garoto com hipotermia,
Eu escolhia cuidadosamente a minha comida
Até que tive fome,
Eu desconfiava da pele escura
Até que um braço forte me tirou da água,
Eu achava que tinha visto muita coisa
Até ver meu povo perambulando sem rumo pelas ruas,
Eu não gostava do cachorro do meu vizinho
Até ouvi-lo ganir naquela noite ao se afogar,
Eu não lembrava dos idosos
Até participar dos resgates,
Eu não sabia cozinhar
Até ter na minha frente uma panela com arroz e crianças com fome,
Eu achava que a minha casa era mais importante que as outras
Até ver todas cobertas pelas águas,
Eu tinha orgulho do meu nome e sobrenome
Até a gente se tornar todos seres anônimos,
Eu não ouvia rádio
Até ser ele que manteve a minha energia,
Eu criticava a bagunça dos estudantes
Até que eles, às centenas, me estenderam suas mãos solidárias,
Eu tinha segurança absoluta de como seriam meus próximos anos
Agora nem tanto,
Eu vivia numa comunidade com uma classe política
Mas agora espero que a correnteza tenha levado embora,
Eu não lembrava o nome de todos os estados
Agora guardo cada um no coração,
Eu não tinha boa memória
Talvez por isso eu não lembre de todo mundo,
Mas terei mesmo assim o que me resta de vida para agradecer a todos.
Eu não te conhecia
Agora você é meu irmão,
Tínhamos um rio
Agora somos parte dele,
É de manhã, já saiu o sol e não faz tanto frio.
Graças a Deus!
Vamos começar de novo!

Nenhum comentário: